terça-feira, 26 de março de 2013

Labirintos de Mnemosine: Um panorama da aprendizagem e da memória (parte 1)

Visões da memória: Mnemosine e um pen-drive
Os caminhos da deusa
Mnemosine era a deusa da memória, na Grécia e mãe das Musas: Calíope (eloquência), Clio (história), Erato (poesia lírica), Euterpe (música), Melpômene (tragédia), Polímnia (musica cerimonial), Tália (comédia), Terpsicore (dança), Urânica (astronomia e astrologia). Não por acaso a memória era a mãe das várias áreas do conhecimento que eram consideradas importantes entre os gregos antigos. A memória é a mãe do aprendizado!

Qualquer treinamento envolve aprendizagem e memorização de novos dados, comportamentos ou perícias. Compreender melhor a relação entre esses dois fatores pode nos ajudar em diversas situações, afinal, tudo envolve aprendizado, desde nossa fala e estratégias para lidar com o mundo ao nosso redor até nossas relações sociais e profissionais.

A velocidade com que os dados nos chegam hoje em dia, pela televisão, internet, redes sociais e companhia nem sempre se coaduna com a nossa perícia particular em estruturar esses dados em informação, conhecimento ou experiência. Ou seja: nem sempre exercitamos nossa perícia em transformar informação em conhecimento e, menos ainda, conhecimento em experiência. Através dessa percepção é que resolvi pesquisar e escrever esse artigo, para estudar os fenômenos da memória e da aprendizagem e repensar nossas formas de treiná-los.

Um conceito, uma raiz e alguns brotamentos
Gosto de iniciar meus estudos por perguntas conceituais. Geralmente é a partir delas que desembocamos em caminhos mais interessantes. Então pesquisei a resposta para os seguintes conceitos: O que seriam, neurologicamente, o "aprendizado" e a "memória"?

Segundo o neurocientista Eric R. Kandel do Centro de Neurobiologia e Comportamento da universidade de Columbia, "O aprendizado é o processo por meio do qual nós e outros animais adquirimos conhecimento sobre o mundo e a memória é a retenção ou armazenamento desse conhecimento". Parece bem simples, mas é daí, da simplicidade, que poderemos partir para o desenvolvimento e treinamento dessas funções. Afinal, o Instituto ATENA é um Instituto de treinamento e todo treinamento envolve tanto a memória quanto a aprendizagem.

Behaviorismo e aprendizagem
A aprendizagem esteve no auge dos estudos em psicologia durante os anos de 1930 a 1970, quando o behaviorismo reinava no mundo acadêmico. Desde então os estudos concernentes a esse assunto declinaram a ponto de desaparecer dos manuais de psicologia. A guinada cognitiva que ocorreu nessa disciplina é caracterizada por um certo abandono da aprendizagem em benefício, justamente, dos estudos sobre a memória.

As abordagens do aprendizado segundo os behavioristas estavam centradas em quantificar a precisão com que um animal (o cachorro de Pavlov, os gatos de Thorndike e a pomba de Skinner) "aprendia" uma determinada solução para uma situação-problema dada. O que diferenciava as experiências era justamente a via de acesso a essa aprendizagem. Então vieram as abordagens cognitivas.

"Insight", "mapa cognitivo" e "aprendizagem social"
O psicólogo alemão Wolfgang Köhler mostrou o mecanismo do "insight", um aprendizado ou descoberta repentina, através de uma experiência com um macaco, uma banana colocada longe do seu alcance e uma caixa de madeira. Em pouco tempo o macaco colocava a caixa embaixo da banana, subia nela e resolvia o problema. O americano Edward C. Tolman

Todas essas formas de aprendizagem, incluindo as posições da pedagogia e da aprendizagem organizacional (da qual falaremos mais e melhor em outra oportunidade), incluem possibilidades de ampliação do "mapa cognitivo" e das respostas possíveis dentro de uma situação-problema. Cabe a nós, aqui, efetuar o nosso corte, delimitar o nosso foco. O que, nesse vasto campo, interessa a uma empresa de treinamentos?

demonstrou que ratos dentro de um labirinto criam uma representação interna ou um "mapa cognitivo" de seu ambiente, deixando de percorrer áreas que não levavam à recompensa (queijo). Albert Bandura demonstrou que há um componente social do aprendizado analisando a velocidade e a retensão do dado da informação entre comunidades de peixes, ratos, macacos e humanos. Segundo seus estudos aprendemos melhor em presença de um congênere, seja por imitação ou "facilitação social", que determina a performance do indivíduo na presença observadores.
Funções da memória podem ser localizadas em regiões específicas do cérebro

Hipocampo - Criatura mitológica
Até metade do século XX a maior parte dos estudiosos do aprendizado duvidava de que as funções da memória poderiam vir a ser localizadas em diferentes regiões cerebrais específicas. Na verdade, muitos estudiosos do comportamento chegaram a duvidar de que a memória seria uma função distinta da mente, independente da atenção, da linguagem e da percepção. A opinião de que o armazenamento da memória [memory storage] é amplamente distribuída por todo o cérebro contrastava de modo muito acentuado com a opinião emergente sobre a localização de outras funções cerebrais.

Se por um lado se acreditava que muitas funções cerebrais eram localizadas espacialmente, como foi demonstrado desde os estudos de Broca sobre a linguagem, ficava a questão: por quê justamente a memória, uma das mais importantes, seria uma função compartilhada por várias áreas do cérebro?

Em 1861 o antropólogo e médico francês Pierre Paul Broca mostrou que lesões na parte posterior do lobo frontal, no lado esquerdo do cérebro (área de Broca) produziam um defeito específico na linguagem. Após essa localização da linguagem não demorou muito para que os neurocientistas começassem a observar se a memória também poderia ser espacialmente localizada.

Regiões e tipos de memória
Durante quase um século a opinião geral dos neurocientistas era de que a memória seria uma propriedade geral do córtex cerebral como um todo. Na verdade estudos recentes tem demonstrado que a memória depende, realmente, de muitas regiões cerebrais. Na realidade existem diferentes tipos de memória e determinadas regiões cerebrais são muito mais importantes para alguns tipos que para outros. Além do quê diferentes tipos de memórias são armazenados em sistemas neurais distintos.

A memória não é unitária e pode ser classificada como implícita ou explícita, com base em como a informação é armazenada e recuperada.

Aprendemos sobre o que é o mundo - adquirindo conhecimento sobre pessoas, lugares e coisas, que é acessível à consciência, usando uma forma de memória que é em geral chamada de "explícita". Ou aprendemos como fazer coisas - adquirindo habilidades motoras ou perceptivas a que a consciência não tem acesso - usando a memória implítica.

Memória explícita
A memória explícita codifica informações sobre eventos autobiográficos, bem como o conhecimento de fatos. Sua formação depende de processos cognitivos do tipo da avaliação, comparação e inferência. As memórias explícitas podem ser recuperadas por ato deliberado de recordação. Por vezes são estabelecidas por teste ou experiência única e, com frequência, podem ser expressas concisamente em frases declarativas como "No último verão conheci Marcos, o primo de Felipe" (evento autobiográfico), ou "O chumbo é mais pesado que o ar" (conhecimento de um fato).


A memória é um processo criativo
Quão precisa é a memória explícita? Essa questão foi explorada em uma série de estudos na qual sujeitos eram instruídos a lerem estórias e, depois, recontá-las. Quando essas estórias recontadas foram analisadas ficou demonstrado que eram mais curtas e mais coerentes que as estórias originais. Desse modo, as estórias recontadas refletiam reordenação, reconstrução e condensação do original. Os sujeitos desconheciam que estavam editando as estórias originais e, muitas vezes, demonstravam mais certeza sobre sua própria versão editada que sobre o texto original. Os sujeitos não estavam confabulando; simplesmente estavam interpretando o material original, de modo a ter sentido quando recordado.

Observações desse tipo nos levam a acreditar que a memória explícita para eventos passados é um processo criativo, refletindo um processo sintetizador ou reconstrutor. A informação armazenada como memória explícita é o produto do processamento por nosso aparelho perceptivo. É um processo no qual a pessoa interpreta o dado de informação do ponto de vista de um lugar específico no espaço e de um ponto específico de sua história. Ou seja: nossos mapas de mundo, nossa leitura do universo ao nosso redor, influencia nosso processo cognitivo: nossas memórias e nosso aprendizado.

Ampliação do mapa, ampliação da memória
Novos caminhos cognitivos implicam em maior número de ligações possíveis entre os dados da informação, por isso apostamos em treinamentos transdisciplinares. Acreditamos que eles tenham, basicamente, duas vantagens competitivas em relação aos treinamentos tradicionais:

1. Reestruturação lógico-narrativa dos conteúdos trabalhados: Colocar em uma ordem narrativa os dados novos apreendidos ao longo dos nossos treinamentos faz com que as informações passadas sejam colocadas numa sequência narrativa lógica e cronológica, tornando sua memorização mais simples e, de certa forma, intuitiva. Sempre lembramos melhor de quaisquer eventos ou dados de informação se criarmos uma sequência lógica entre eles.

2. Ampliação das ligações neurais: Treinamentos transdisciplinares envolvendo áreas diversas do conhecimento humano não só são mais simples de serem compreendidos por diferentes sujeitos com diferentes leituras da realidade, como também ampliam as  concepções possíveis para um mesmo assunto. Se as informações são retidas na nossa mente através de uma rede de pontos interligados, os treinamentos transdisciplinares fornecem novos pontos, fortalecendo a aprendizagem como um todo, ampliando o "mapa cognitivo" do mundo e a possibilidade de "insights", leituras novas e perspectivas criativas!


No próximo artigo falaremos sobre:
- Memória implícita e treinamento
- Vias de acesso: Quais são as principais formas de aprendizado?
- Velocidade: Que tipo de relações são aprendidas mais rapidamente?
- Passo a passo da memória: Quais as etapas para a formação da memória?
- Os mecanismos celulares da memória e o que eles nos ensinam sobre o processo de aprendizado.

Artigo por Rento Kress
Diretor do Instituto ATENA